pequenos contos


Orfanato de Caleijão
Estória, estória…

Era assim que as pessoas mais velhas comevam as suas estórias no serão da tardinha "na um cond´ fogom" com cheiro a fumo de cachimbo e a "catchupa". 


Reuniam sempre muitas crianças da vizinhança, pois, não havia televisão e nem sequer computador e internet para o lazer. Havia maior respeito pelas pessoas idosas, em especial pelos avós.

Muitos delas eram de dormir com a cabeça coberta até que os primeiros raios solares entrassem pelas gretas da janela. Mesmo assim, eram uma festa a tarde quando chegava a hora da estória. Cada um procurava o local mais longe da porta com medo que uma capotona ou uma bruxa entrasse.

Lembro-me muito bem de as escutar e muitas vezes de regressar para casa com medo, mas não havia remédio porque tinha de regressar e só descansa quando chegava em casa. Depois com o tempo comecei a ficar mais destemido e andava à procura das vacas ou burros com pé de gente, das feiticeiras ou canelinha, das capotonas. Depois começaram a ter piadas para mim e procurava sempre pessoas que sabiam bem delas. Tinha muitas na minha zona e sempre que os encontrava procurava saber mais uma estória e depois rir.

Velhos tempos onde as crianças respeitavam os mais velhos e as vizinhanças unidas nas estórias de capotonas, de feiticeiras, de canelinhas, de marinheiros, etc., ajudavam umas às outras.

Segue uma de canelinha:
Livro “Minha Avó Chica Nácia”, publicado em 2003 por José Maria Ramos nascido em Caleijão – São Nicolau, licenciado em Direito

“Noutras ocasiões era Kepller que tomava a palavra para falar daquele seu caso com um canelinha. Kepller contava que certo dia tinha ido a stancha[1] trartar de um assunto mas como tinha muitos amigos por lá e gostava da sua pinga demorou-se em lérias e a tomar grogue e quando finalmente resolveu regressar a Caleijão já eram altas horas da noite. O relógio da torre da igreja deu a meia noite precisamente quando já estava no rezodouro, lugar que a gente sabia ser sujo e por onde poucas pessoas se atreviam a passar à noite sozinhas. Ai, acorada num canto de parede a chorar, Kepller viu uma criança dos seus cincos ou seis anos de idade. Condoído aproximou-se dela e perguntou-lhe:
- Ó menino de Deus, o que é que estás a fazer aqui a uma hora destas? Não vês que já é tarde? Quem é a tua gente? Onde é que moras? Vem, vem comigo que eu levo-te à casa dos teus pais!
A criança nada respondeu e continuou a chorar. Mas de repente calou-se e começou a crescer, a crescer, a crescer, a crescer até que se tornou do tamanho de um pé de coqueiro. Kepller estava fusco mas compreendeu imediatamente que estava na presença de um canelinha. A fusca passou-lhe logo e desatou a correr feito uum perdido. O que lhe valeu foram as muitas curvas da ladeira lapa . Em cada curvva o canelinha desconjuntava e enquanto juntava os ossos Kepller ia ganhando distâncias. Depois de uma série de curvas e contracurvas e já quase sem fôlego conseguiu por fim chegar a casa. Tremia que nem uma vara verde e nem teve tempo de tirar do bolso a chave da porta. Escancarou-a com um violento pontapé, entrou e trancou-a por dentro com uma ripa de madeira. Pouco depois, debaixo da cama onde se escondera, sentiu que qualquer coisa arranhava as paredes da casa e uma voz roufenha e ameaçadora dizia-lhe:
            - Vai com sorte, vai com sorte, mas da próxima vez não me escapas.



Stancha
[1] Stancha é o nome dado à Vila da Rª Brava, actualmente cidade de Rª Brava.
Na altura os serviços públicos e administrativos localizavam na Stancha  e todos dirigiam para la para irem buscar cartas e trocar o dinheiros que os filhos mandavam do estrangeiro e outros apenas para fazerem as compras.